Viver numa instituição...
...se calhar devia escrever na Instituição X, mas não vou fazê-lo. Primeiro porque não escrevo para apontar o dedo a uma instituição específica, ou ao pequeno grupo de pessoas (mais ou menos competentes) que nele trabalha; em segundo, porque apesar de ter tido maior contacto com a dita casa, já ouvi relatos suficientes para saber que é um problema geral onde as excepções são mesmo muito raras.
É verdade que há falta de recursos financeiros nestas casas e em particular para as criança, mas a maior falta é a de atenção e afecto...e sim pode-se argumentar que são muitas crianças para poucos funcionários, então eu questiono como farão os pais de famílias numerosas? Não precisamos de andar sempre com as crianças ao colo, às vezes um olhar conta mais que um abraço (por muito bom que seja). A sensação que tenho é que as crianças que vivem em instituições ou são transparentes ou são vistas como um problema para a sociedade.
Quando falei sobre isto com algumas pessoas "mais vividas", explicavam-me que, nas primeiras instituições, eram entregues crianças com problemas de "ajustamento social", de famílias carenciadas que não tinham recursos psico-sociais para educar convenientemente uma criança/ jovem e, portanto, entregavam a instituições (geralmente ligadas à igreja) para que os "corrigissem", ora como não precisavam, propriamente, de correctivos mas de educação/acompanhamento, eram muitas as que acabavam por aumentar a rebeldia e envolver-se em delitos. Hoje, apesar de a realidade ser diferente o estigma mantém-se. E não me parece que quem está a acompanhar estas crianças/jovens esteja mais bem preparada.
Vejamos por exemplo, sim temos assistentes sociais com formação superior que trabalham na instituição, o problema está é que o maior tempo que lá passam, não estão as crianças, estas são acompanhadas por auxiliares com maior ou menor aptidão para lidar com os problemas, mas sem conhecimentos suficientes para saber lidar com situações específicas.
Por exemplo, o meu filho saía da instituição às 8h30 da manhã para as aulas, almoçava no ATL, depois da escola ía para o ATL, novamente, fazer os trabalhos e só regressava à casa perto da hora do jantar onde apenas encontrava uma ou duas auxiliares para cerca de 30 crianças. A "encarregada de educação" dele, uma das 4 assistentes sociais que conheci na casa (desconheço se eram mais ou não), apenas assinava o que a escola enviava, quem fazia o seu "acompanhamento" (digo, avaliação de x em x tempo) seria outra, e como não estava de serviço no dia que o fomos conhecer, também nunca conversou connosco. Aliás, só tive conhecimento desta questão à posteriori quando verifiquei a caderneta do meu filho. Portanto, acompanhamento dos TPC's, dos conflitos, das suas necessidades, não existia realmente, tratava-se um problema como se de um caso isolado se tratasse.
Presenciei, ainda, no dia que o deixámos para dormir na instituição, o descontrolo total da casa e dos jovens. Fomos entregá-lo antes das 9h30 da noite pois, apesar de ele não ir à escola no dia seguinte, os colegas teriam aulas e não queiramos perturbar o descanso dos mesmos. Qual não é o nosso "espanto" (para não dizer choque) quando chegámos e encontrámos cerca de 30 jovens e crianças, com uma única auxiliar, e a confusão instalada. Uns corriam e gritavam, outros ouviam musica em altos berros e ela gritava ainda mais alto no meio de todos, só um pequenito de 5 anos dormia num canto. E então perguntava-me como é que aquelas crianças poderão ter um sono tranquilo se estão naquele caos até aquela hora (saímos de lá já passava das 10h30, porque por mais que quiséssemos a responsável da casa não parecia com muita vontade de terminar a conversa), como conseguirão ter um bom aproveitamento escolar?
Há muito a fazer nestas instituições, especialmente se queremos que estes jovens se tornem membros construtivos da nossa sociedade. Não se pode retirar as crianças de uma má situação e coloca-la noutra, ainda que diferente, mas má também!
Soube no Verão seguinte que a administração da referida casa foi, entretanto, mudada e que houve mudança de pessoal, soube também que o problema existia com a administração anterior à que eu conheci, e se mantinha igual com a que veio a seguir. Claramente não estou a apontar dedos já que não refiro nomes nem locais, mas o conjunto de dinâmicas criadas por um sistema deficiente precisa, urgentemente, de uma revisão.
Afinal está em causa o "superior interesse das crianças", como tão bem escrevem os nossos juizes e assistentes sociais nos relatórios e sentenças!!!!